Poluição no Sistema Solar

 


Aonde quer que vá, o ser humano deixa lixo. Isso não é à toa, já que transformamos em lixo 91,4% de tudo o que produzimos e utilizamos. E o pior: isso não fica restrito só aos lugares que habitamos. Todo ano, cerca de 13 milhões de toneladas de lixo são despejadas no mar. E até no espaço, onde só 562 pessoas já estiveram, já deixamos mais de 9,6 mil toneladas, de acordo com uma estimativa da Agência Espacial Europeia (ESA).

Esses detritos – que são partes de veículos de lançamento descartados ou fragmentos de espaçonaves e restos de testes de mísseis – são especialmente perigosos, já que podem colidir com satélites, espaçonaves e estações espaciais. A mesma ESA de antes estima que, mais de 36,5 mil objetos espaciais maiores que dez centímetros orbitam a Terra. 

O governo dos EUA rastreia cerca de 23 mil pedaços de detritos maiores que uma bola de softball orbitando a Terra. Quais são as regras do softball? Não sabemos, mas a circunferência de uma bola do esporte é de 30,4 cm.

Isso quer dizer que qualquer colisão em órbita pode ser catastrófica (já viu “Gravidade”?), afinal esses detritos — mesmo os menores — viajam a mais de 25 mil km/h. Para efeito de comparação, um tiro de fuzil AR-15 atinge 3,5 mil km/h. É um risco eminente para toda nossa exploração espacial


Lixão galáctico
Nenhum governo quer ser o primeiro a determinar regulamentações rigorosas sobre a geração de detritos, porque isso poderia assolar seu setor espacial doméstico – ainda mais se outros países avançarem sem considerar os bens orbitais.

O reflexo desse impasse é que, legalmente falando, existem poucos regulamentos para que os operadores de satélites cumpram antes de chegar ao espaço. O governo dos EUA, por exemplo, tem o Orbital Debris Mitigation Standard Practices (ODMS) que disponibiliza uma estrutura de como as agências devem tratar a criação de detritos.

Já a Agência Espacial Europeia segue um cronograma de saída de órbita recomendado, o que significa que satélites que não desorbitarem naturalmente dentro de determinado tempo devem ser impulsionados para fora do caminho, em uma órbita diferente. A ESA também acata as referências de mitigação de detritos estabelecidos pela Organização Internacional para Padronização (ISO).

A Organização das Nações Unidas (ONU) sustenta sua própria lista de mitigação de detritos, codificada em 2007 pela Assembleia Geral. As orientações da ONU encorajam os estados-membros a limitar a criação de detritos, o potencial de desintegração, a probabilidade de colisão, a destruição intencional, a energia armazenada no fim da vida e a presença de longo prazo de naves espaciais em órbita baixa da Terra (LEO) e satélites GEO.


A treta do Cosmos 1408
Em novembro do ano passado, a Rússia destruiu o satélite Cosmos 1408, que pertencia à antiga União Soviética e não funcionava há décadas. A explosão do míssil que aniquilou o equipamento lançou 1,5 mil fragmentos rastreáveis no espaço e centenas de milhares de pedaços menores que podem vagar em órbita com a Terra. A operação, segundo o Departamento de Estado dos Estados Unidos, colocou em risco a segurança dos astronautas da Estação Espacial Internacional.

A situação, além de servir de alerta, gerou represália por parte dos EUA. O governo americano enviou um comunicado à Rússia dizendo que o país estava comprometendo a sustentabilidade de longo prazo do setor e colocando em risco a exploração e o uso do espaço por todas as nações. Afirmou ainda que os destroços ameaçam outros satélites e objetos espaciais importantes para o planeta. À época, a Nasa também se posicionou dizendo que o risco para as tripulações espaciais ficou quatro vezes maior, após o teste de mísseis da Rússia.

Contudo, é válido lembrar que a Rússia não é o único país que já fez esse tipo de teste: os EUA, a China e a Índia também já realizaram. Depois do ocorrido em novembro, os EUA prometeram encerrar esses tipos de ação e estimularam outras nações a fazerem o mesmo. 


E a mão invisível?
Comissão Federal de Comunicações (FCC), que é uma espécie de Anatel dos EUA e, portanto, também regula o uso de satélites de comunicação por lá, propôs em 2020 uma norma para mitigar os detritos orbitais. A regra faria várias mudanças em como as empresas ativas no espaço devem se comportar em relação à criação de detritos orbitais e ao processo de revisão de satélites após o lançamento deles. 

Essa especificação seria muito importante, pois determinaria o papel da iniciativa privada dentro do contexto espacial. Ela ainda não foi inserida no registro federal, impedindo que a norma seja aplicada pela FCC.

De qualquer maneira, há empresas privadas que já estão trabalhando e faturando no setor. A Astroscale Inc., com sede no Japão, é uma delas. Desenvolveu naves espaciais comerciais encarregadas de organizar o espaço em uma tentativa de combater os detritos. Ela não é a única a querer levar o setor espacial em direção à sustentabilidade. Outras empresas, como D-Orbit e ClearSpace, também estão se esforçando para evoluir o serviço em órbita.

A Vyoma, uma da startup de consciência situacional espacial, e a Iridium — que colabora com o Centro de Operações Espaciais Combinadas da Força Aérea dos EUA — são outros exemplos de empresas privadas focadas em contribuir com o ambiente orbital


Como evitar o Armagedom? (o evento e o filme)
A regulamentação de detritos espaciais atualmente é atribuída ao Comitê das Nações Unidas sobre Usos Pacíficos do Espaço Exterior. Mas, como trata-se de uma organização respaldada em consenso, algo acontecerá somente a partir do momento que Rússia, China e Estados Unidos cheguem a um comum acordo. 

Por ora, o que realmente existem são instruções não vinculativas destinadas à sustentabilidade de longo prazo. O desafio na gestão dos detritos é justamente o fato de cada nação ter seu próprio estatuto sem uma coordenação internacional.  É imprescindível ter apoio, em curto prazo, dos governos para que empresas espaciais atuem a favor do interesse público. O espaço não pode ser dividido com fronteiras, em que cada país está sujeito a suas leis e regulamentos. 

Sabe-se que para ter uma infraestrutura orbital sustentável são necessários grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento. O problema do lixo espacial é global, exige recursos públicos e privados e mudanças sistêmicas no setor. Temos que resolver esse B.O. se quisermos usufruir das recompensas de uma nova economia espacial para a vida na Terra e em todo o Universo.

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